Já Conhece a cultura popular de Florianópolis? A Dona Roseli, conta pra gente, mais pouquinho da história da Ilha em Florianópolis. Vamos lá!

Roseli: Moro na Armação do Pântano do Sul desde que nasci.

As memórias afetivas do nosso Bairro são ricas.

Ricas pelas vivências na comunidade, voltadas a saberes e culturas dos mestres e mestras, nossa ancestralidade , passando de pais para filhos e netos .

E como não falar da brincadeira do boi de mamão.

O boi de mamão é uma das mais importantes manifestações culturais do litoral catarinense.

A brincadeira do boi está também em todo Brasil, no Norte boi bumbá e no Nordeste o bumba meu boi .

Na Armação do Pântano do Sul, a brincadeira vem se perpetuando ao longo dos anos .

Os primeiros brincantes e fazedores de boi de mamão aqui da região eram:

Seu Zé Ferminio, que tinha um pé meio tortinho e o dom de construir o boi de mamão.

Construía tudo com taquaras de bambu, forrava com lençóis velhos.

Quanto à cabeça dos personagens, a cabeça do boi era feita de fruta mamão, ou até mesmo de alguma cabeça de ossada de animais mortos .

E ali a brincadeira estava pronta .

Na cantoria, Seu Manoel Siloca, grande tocador de violão , que improvisava como ninguém.

Além do Carlos José da Silva, Carlinhos, filho do Seu Canduca e Dona Diquinha .

Antigamente, a brincadeira se dava entre dezembro e fevereiro , saíamos todos com a bicharada de casa em casa, nos terreiros, e depois passávamos o chapéu.

Tudo era muito divertido.

Houve um tempo em que a brincadeira não se manifestou.

Foi então que, em 1989, a Escola Básica Municipal Presidente Castelo Branco participou de um curso oferecido pela Prefeitura de Florianópolis entre as secretarias de Educação, Turismo e Fundação Cultural Franklin Cascaes com a Universidade Federal de Santa Catarina /Curso de Extensão.

O título do Curso foi: A FESTA DO BOI, SÓ AMA QUEM CONHECE.

Esse curso teve a coordenação de Lena Peixer (Coord. de Artes na Educação), e JB Costa ( Técnico em Artes da Fundação Franklin Cascaes).

O curso ofereceu oficinas de técnica plástica na confecção dos personagens ( ministrada pelo artista Nei Batista ) , e percussão ( ministrada pelo professor Marcelo Muniz).

Como palestrante tínhamos Gelci Coelho, o Peninha, que falou sobre história e a simbologia do boi, e, ” im memoriam”, Meyer Filho, nosso artista centenário, que falou sobre sua arte e pinturas .

Foi então que a Professora Marliese Vicenzi ( professora de artes ) da Escola Castelo Branco iniciou o curso da Oficina do Boi de Mamão.

A ideia era que os profissionais da educação pudessem disseminar o conteúdo no currículo escolar, bem como pudessem trabalhar o Projeto do Boi de forma a sensibilizar nossas crianças e jovens na relação de pertencimento com o território no qual estão inseridos. E desse saber fazer, construir bois de mamão nas suas escolas e respectivas comunidades, bem como o
fortalecimento do nosso patrimônio cultural imaterial da Ilha de Santa Catarina.

A Marliese Vicenzi foi umas das principais profissionais na retomada da brincadeira do boi de mamão na comunidade da Armação do Pântano do Sul .

E assim ressuscitou nosso Boi de Mamão, participou do 1⁰ Encontro de Bois de Mamão dessas unidades educativas que fizeram parte do curso.

Nesse concurso, recebemos a premiação de Melhor Benzedeira, na figura caracterizada por uma personagem vestida tipicamente de açoriana.

O Boi de Mamão da Armação do Pântano do Sul tem características locais, assim como todos os bois da Ilha .

O teatro se assemelha pela morte e ressureição, pelos seus personagens principais , porém cada comunidade insere outros personagens de acordo com as características locais.

E aqui na brincadeira do Boi de Mamão da Armação temos o jacaré, idealizado para refletir sobre a flora e a fauna e em especial a nossa Lagoa do Peri .

Considero o boi de mamão uma das manifestações culturais mais democráticas, com liberdade de expressão para abordar os mais diversos temas .

Uma das questões que muito se avançou na educação, começando pela Escola Castelo Branco, mesmo quando ainda não era obrigatoriedade no currículo escolar , foi o ensino das relações étnicas raciais.

Cabe aqui destacar a importância da orientadora educacional da Escola Castelo Branco, a Altair Alves Lúcio , também integrante da Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros nesse processo , bem como da querida educadora Jeruse Romão que muito nos assessorou .

E foi, nesse momento, que nosso Boi de Mamão, a partir da percepção das crianças e adolescentes teve uma maricota negra . Praticamente todos os outros grupos de boi do municipio somente destacavam figuras de outras etnias.

Também temos características bem diferenciadas , principalmente pela cantoria.

Toda cantoria e melodia foi pesquisada e construída nesse período do projeto com a comunidade , através do Seu Zé Ferminio e Seu Manoel Síloca, bem como o meu irmão, Carlinhos. Além deles, o saudoso e querido Manoel Brandão.

O Projeto do Boi de Mamão da Armação existe até hoje , fruto desse trabalho .

Já envolveu muitas crianças, pais , funcionários e principalmente a comunidade .

Cabe aqui ressaltar a participação e coordenação da nossa querida orientadora educacional da Escola Altair Alves Lúcio.
Também da Professora Ozania Carvalho, Kátia Pires, Angelica Corrêa, entre outros . Além dos músicos da comunidade: Valdir Duarte , Alcides de Oliveira , Carlos da Silva, o Carlinhos , e também o querido Bernardo Sens.

Tivemos o apoio e participação do Projeto Africatarina, através de Fátima Lima e Edinho Rodan, e Teatro Comunidade, através do Professor Tony Alano.

Entretanto, nossa contribuição maior passa pelo artista Nei Batista , morador do Ribeirão da Ilha, que sempre perpetuou o nosso Boi , através de oficinas permanentes com novas crianças.

A brincadeira do boi é um momento mágico , de envolvimento e entrega das nossas crianças e adolescentes, mas principalmente de se reconhecer enquanto cidadão partícipe, com autonomia, criatividade, autoria e autoestima .

Como ex-diretora dessa escola, sempre integrei ao grupo, o que me oportunizou ser puxadora da cantoria .
Isso me orgulha muito .

A brincadeira do Grupo de Boi de Mamão da Armação já se apresentou muito nas escolas , nas cidades do Meio Oeste catarinense, atravessou a Cordilheira dos Andes , com apresentações em Santiago do Chile no Primeiro Encontro Internacional de Teatro Infanto Juvenil .

Nessa ida ao Chile , pensem na experiência incrível das nossas crianças.

Lembro que ao passar pela ADUANA, a polícia e os cães farejadores entraram em nosso ônibus para vistoriar, claro que não encontraram nada demais . Contudo, levaram nosso feijão que iríamos comer em Santiago , seria uma feijoada para compartilhar experiências com nossos amigos chilenos .

Pela relevância do Projeto, também fomos reconhecidos com Prêmio no Programa Mais Cultura, do Governo do Federal .

Esse é um pequeno relato e memória da nosso Grupo de Boi de Mamão da Armação do Pântano do Sul .

São memórias , experiências, educação, arte , cultura e, principalmente, relações afetivas do nosso território, da nossa comunidade . Isso até hoje nos une pelas lindas lembranças daqueles que já fizeram parte, como também nos fortalece pelos que ainda vão conhecer a história dessa manifestação tão importante.

Ninguém preserva e fortalece aquilo que não conhece !

E VIVA A CULTURA POPULAR !
E VIVA O BOI DE MAMÃO!

Por Roseli Pereira,
pesquisadora e educadora,
moradora da Armação do Pântano Sul,
ex-diretora da Escola Castelo Branco,
integrante e puxadora de cantoria do boi de mamão.

Com contribuições de Marliese Vicenzi,
educadora e coordenadora do Projeto na Escola Castelo Branco em 1989.