Hoje vamos conta uma história de infância de seu Ney Baião Gonçalves, essa recordação é dos tempos de crianças dela. Quando tinha 8 anos de idade. Seu Ney conta que brincava nas ruas central de Florianópolis, com seus amigos, do seu tempo de crianças. Hoje, Florianópolis mudou muitas coisas. Seu Ney viver em Florianópolis, hoje com 75 anos, mas boa parte da sua vida viveu fora da sua terra natal. E 50 anos depois ele, voltar morra em Florianópolis e hoje trás recordações dos tempos de crianças. Nesse pedacinho de terra, perdido no mar! Vamos lá.

Ney Baião Gonçalves: Nós curtíamos tudo, que era possível e imaginável. Fazer bolinhas de traço, deixando-as secando ao sol, para boa coisa não fazer, até catar maços de cigarro vazios, jogados na sarjeta, por uma geração de adultos que não fazia outra coisa: O fumo de rolo, na palha, e os moderníssimos cigarros, faziam gosto naquela geração. Do Mistura Fina ao Continental. Do Elmo ao Urca… Do Saratoga ao Caporal.


Acreditem catávamos os maços para fazer artesanato; fazíamos rifas para com o dinheiro comprar coisas para o time de futebol da rua. Um papel almaço com 25, 50, ou 100 números, onde cada “colaborador” colocava ou assinava seu nome. Pronto, em um mês o time da rua iria jogar futebol, contra os internos do Colégio Catarinense, ou outro time de rua, trajando orgulhosamente um jogo de camisas, para inveja dos nossos adversários. Para isso, havia necessidade de “matéria-prima”. Eis que nós nos deslocávamos até o centro, a pé, onde na João Pinto, Felipe Shimidt e Conselheiro Mafra havia, principalmente nas tardes considerável quantidade de lixo e muitos, muitos fumantes.
Aquela “gurizada” curtia cada pedacinho do chão do Morro da Gasosa, à frente da casa onde morávamos.

Mais abaixo o Campo da Liga onde com facilidade tínhamos os jogos do campeonato metropolitano ou mesmo estadual para ver (na mão de um associado, de um adulto, ou mesmo perigosamente naquelas plataformas montadas pelos vizinhos aos muros do “Estádio”)
No outro lado da Bocaiuva a Praia de Fora, cheia de ouriços e muito lodo, mas que “quebrava o galho da gurizada” nos dias de muito calor. Quando a Floripa voltei, 50 anos após, procurei aquela pedra que marcava o local exato, diziam os historiadores, onde francisco Dias Velho, o fundador da cidade de Florianópolis, colocou o pé pela primeira vez.

Para dizer a verdade, nem mais a praia ali encontrei tudo virou um aterro e meus sonhos sumiram entre pedras e muito asfalto. Num instante, a descida da Mauro Ramos… do banco redondo, da vendinha do Quidoca, da Casa do Djalma Moelman, que se achava dono da cidade, virava pista dos carrinhos de roda de madeira (rolimãs era só para os carrinhos dos afortunados) As corridas, as chegadas eram num local qualquer perto da venda do Lalau, não exatamente naquele local, mas onde apenas um cararinho sobrevivesse à descida e aos acidentes naturais do percurso. Os passeios eram irregulares, a maioria de terra, a Mauro Ramos de paralelepipedos, lama em excesso fazia a alegria da gurizada.

Quando mirávamos o Morro da Cruz, achávamos o céu encantado com tantos barrelotes e pandorgas que nas férias contagiavam os céus do nosso bairro. Lembrei-me das linhas “ursa” das gilettes colocadas inteirinhas nos rabos de panos feitos de lençóis velhos, que cada um levava. Feitos em papel de seda e bambus cuidadosamente simétricos, e “grude” de farinha de trigo escaldada . Também dos “telegramas” e dos orgulhosos roncadores que cada pipa, com características próprias levava. Queridos amigos, nem saberia dizer que uma criança de hoje sabe do que estou falando? Bem… então cheguei onde queria… a Cruz.


No alto do Morro, às noites , víamos somente uma luz piscando. O velho herói Wilson, meu pai dizia que em alto mar, em qualquer rota, se via a ilha, mesmo em noites muito escuras através do pisca pisca do Morro da Cruz. Ela guiava os navios em mar tenebroso durante a segunda guerra mundial.
De dia, para a galerinha da Mauro Ramos, ela era referência para todos nós, de histórias e de conquistas: Havia estórias que citava um túnel que ligava a Igreja de São Francisco no centro até o topo do morro, dando aos escravos fujões, protegidos pela igreja e padres a chance de se livrarem dos caçadores de recompensa. Tudo, creio eu, justificável, para tentar mascarar após o início do século XX talvez a maior nódoa de colonização e assentamento dos “homens civilizados” nesta Ilha. Não tenho dúvidas que foi para a incompreensão dos que hoje aqui vivem a adoção, e o uso em grande escala de mão de obra escrava.

Que alguém me diga que a visita de Pedro II em plena Guerra do Paraguai à Ilha não tenha influenciado essas ideias de extinção da Escravatura. Pode ter até outras intenções, como a convocação de soldados para a frente de batalha, mas, certamente… com a promessa e contrapartida que enchia de ideias muitos cativos. Bem …num dia qualquer , lá pelos anos 53, talvez, olhando para a Cruz , numa época de natal , pela primeira vez vi ela iluminada despertando a curiosidade da garotada a conhece-la bem de perto. Em euforia partimos pela Mauro Ramos e chegando lá pelos lados da Críspin Mira, começamos a subir, subir… Passamos por um lugar chamado Belavista, uma grande casa que mais parecia um posto de observação, agora por trilhas muito acanhadas, e por um descampado onde algumas mulheres cantavam…, muitas lavavam roupa em um rio represado, parecendo um pequeno lago. Mais meia hora de subida e finalmente chegamos ao pé da grande , agora gigantesca cruz.


Foi um momento único, uma conquista de meus 7 anos, talvez. Mas numa amplitude maior, depois de calejar meu corpo e espírito, a certeza que foi aqui que conquistei a felicidade, o sonho maior realizado. Tambem a paz … para até a paz eterna encontrar. Quase impossível restaurar, recuperar coisas e momentos felizes outrora vividos, mas a certeza que sempre procurarei tentar reconstruir tudo que um dia aqui me emocionou, mesmo que apenas minha ilusão conforte. Coisas, momentos, e emoções já vividas. para ser ainda um pouco mais feliz amahã. Que me perdoe as provações desta pandemia. Não será minha morte que colocará um ponto final no significado dos gestos que aqui deixamos registrados, mas é importante que aqueles que leram ou entenderam nossas pegadas aqui deixadas, reconheçam que sempre houve o respeito e a vontade eterna da natureza preservar. “Uma homenagem ao meu amigo Mauricio Kuehne na foto da capa”