Por William Roslindo Paranhos
Você já parou para se perguntar em que momento nascem os recursos humanos, a gestão de pessoas e todas as atividades voltadas ao desenvolvimento do bem-estar organizacional? No final do século XVI. Exatamente nos momentos finais do feudalismo, a força de trabalho começa a ser “valorizada” e iniciam os movimentos políticos em torno da construção de uma nova proposta de política econômica mundial: o capitalismo. Com fábricas abarrotadas de trabalhadoras e trabalhadores, os patrões se deparam com um fenômeno nunca antes visto, e sentem a necessidade de criar mecanismos que “valorizem” es empregados que, neste momento, passam cerca de 16h de seu dia trabalhando. São os primeiros ensaios das políticas de valorização de trabalhador.
Anos se passam, lutas acontecem. Uma sucessão de acontecimentos, encabeçados pelos movimentos sociais, oriundos dos movimentos feministas, eclodem nos quatro cantos do mundo. Verdadeiros gritos partindo dos mais distintos não-lugares de falas de todes aqueles que lutam contra a hegemonia política e social, e que reverberam, mesmo que timidamente, provocando mudanças no âmbito legal, social e organizacional. Indústrias, empresas, instituições, enfim, espaços de exploração da mão de obra vêm-se obrigados a reformular, ainda mais, suas políticas internas e iniciam uma nova frente de gestão: da diversidade.
Assumindo meu lugar de fala, enquanto professor, militante e pesquisador, tive a oportunidade de entrevistar pessoas a fim de analisar sua perspectiva acerca da gestão da diversidade nas organizações. Por meio de entrevistas realizadas remotamente, em virtude da pandemia do novo Coronavírus, pude me deparar com o que tem ocorrido nas organizações. Nada é regra. Existem exceções. Contudo, poucas. Mas o que de fato surge como preocupante não são os processos de gestão, mas a percepção das identidades frente a tais processos.
Algumas organizações possuem, de fato, institucionalizada a política de gestão da diversidade, produzindo materiais de divulgação, formação, capacitações, porém muitas dessas utilizam de um discurso de multiculturalismo, tratando a diversidade como sendo uma “coisa só”. O primeiro passo é compreendermos que existem inúmeras diversidades, e não uma única. São várias singularidades, categorias de análise e identidades que se entrelaçam por entre diferentes contextos e que, por este motivo, carecem de equidade. Tomando como ponto de partida as identidades LGBTQI+, somente a partir deste grande grupo já se pode deparar com dezenas de identidades, cada qual com aspectos bastante singulares – es lésbicas, es gays, es bissexuais, es transexuais e travestis, queer, intersex e váries outres. Contudo, é evidente a percepção que colaboradores possuem numa perspectiva de aceitação do discurso multiculturalista como sendo o necessário, e essencial, para tratar de diversidade.
Outra situação que tem se tornado extremamente comum é a utilização da diversidade como possibilidade de propaganda, o que, além de não ter nada de fomento à diversidade, ainda pode ser compreendido como ato discriminatório. Muites gestores de organizações têm priorizado a contratação de pessoas trans. A atitude é extremamente louvável e necessária, contudo o porvir é que deve ser analisado. Pessoas trans são contratadas e levadas, de departamento em departamento, para serem apresentadas. Você já viu seu chefe ou sua chefa fazendo a mesma coisa com alguma pessoas cisgênero? Se viu, ao ser apresentade essa pessoa foi definido como: “Olha, esse é Pedro, e ele é cisgênero.”? Por qual razão pessoas trans são apresentadas como trans?
Por fim, e não menos importante, a gestão da diversidade é desenvolvida por pessoas, e pessoas são carregadas de aspectos subjetivos, falhas e estão em constante evolução. Não existe gestão da diversidade implementada por pessoas que não sejam preconceituosas e, em casos mais extremos, opressoras e violentadoras. Todes somos. Não raro, colaboradores afirmam que sua organização preza pela diversidade, mas confirmam que os discursos produzidos nas conversas, mesmo que do “cafezinho”, são carregadas de discriminação, e são a regra nesses espaços. “Isso dói, até machuca, mas fazer o que? É difícil mesmo mudar essas coisas. Mas, de um modo geral, não existe discriminação aqui não.”. Oi?
Para que organizações possam efetivar uma gestão da diversidade, na acepção da palavra, a fim de se tornarem, de fato, saudáveis, o caminho a ser percorrido exige muito mais delicadeza e humanização. Líderes, chefes e chefas, gestoras e gestores devem compreender que por mais eficácia e eficiência que busquem, pessoas não são máquinas, e por mais que máquinas estejam cada vez mais presentes, sempre dependerão de pessoas para serem manipuladas e coordenadas. Pessoas são seres emocionais e carregadas de sua subjetividade. Pessoas exigem um olhar sistêmico e holístico, ao mesmo tempo em que devem ser percebidas por suas especificidades. Pessoas são incompletas, e como diria Paulo Freire, é essa incompletude que as tornam tão especiais. Não existe gestão da diversidade e organização saudável sem perceber o capital humano da organização e fornecer-lhe os recursos necessários para o desenvolvimento de desconstruções que partam, primeiramente, de si próprio.
William Roslindo Paranhos – Professor, pesquisador, desconstrutor e subversivo. Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Especialista em Estudos de Gênero e Diversidade na Escola. Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CoMoVi e Afrodite, ambos vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina.
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